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JORNADA DE TRABALHO E AUTISMO

  • Foto do escritor: Ronaldo Domenicali
    Ronaldo Domenicali
  • 19 de mai. de 2023
  • 4 min de leitura

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Em matéria publicada no dia 23/04/2023 pelo site UOL/VIVA BEM[1] restou destacado que houve um aumento de 22% de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos Estados Unidos.


Segundo o UOL os dados são do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estado Unidos, o qual realiza a avaliação a cada 2 anos. Na ocasião foram analisadas “226 mil crianças americanas em 11 regiões do país”.


De acordo com o Hospital LEFORTE, em artigo publicado em seu site[2] a Organizações das Nações Unidas afirma haver cerca de 70 milhões de pessoas com TEA no mundo, sendo 2 milhões no Brasil.


Uma vez diagnosticado o TEA, importante se torna o tratamento terapêutico no desenvolvimento das habilidades da criança. O tempo é precioso e não se pode abdicar de intervenção contínua e intensiva de estimulação.


Cada criança afetada com TEA é de maneira única e individual. O TEA pode acarretar à criança dificuldades na fala, levar um maior tempo para o desfralde, fazer com que a criança solte gritos constantes, possua sensibilidade a ruídos, a correrem parte do tempo de um lado para o outro, a fazerem comunicação gesticular ao invés da fala verbal, a andar nas pontas dos pés, a sentirem maiores sensibilidades com alguns tipos de vestimenta entre outras condições.


Quem vive a realidade do dia a dia do autismo e frequenta constantemente clínicas terapêuticas sentem no âmago e entendem o quanto de atenção e cuidados necessita a criança com TEA.


Embora o autismo não seja considerado uma doença, mas sim um distúrbio da condição neurológica ao ponto de afetar déficits na comunicação, dificuldades na interação social, comportamentos repetitivos e estereotipados, para fins de efeitos legais, a lei 12.764/2012, no § 2º do artigo 1º trata a pessoa com TEA como deficiente.


Por isso, pautada na Constituição Federal, a referida lei, dispõe ser direito da pessoa com TEA uma vida digna com a preservação da integridade física e moral.


Desta forma, ou seja, fundamentada na dignidade da pessoa humana e na necessidade de tratamento terapêutico dos que são diagnosticados com TEA, é que a justiça do trabalho tem autorizado redução da jornada de trabalho sem impactos no salário e até mudanças do regime de presencial para o de home office ou from home.


Neste sentido a 3ª Turma do TRT-17 manteve a decisão de primeira instância que havia determinado a redução de jornada de trabalho de 40 horas para 20 horas semanais sem que fosse reduzido o salário (Processo 000462-52.2022.17.0011).


O Tribunal Superior do Trabalho também tem se posicionado favorável a redução da jornada de trabalho.


No Recurso de Revista 10086-70.2020.5.15.0136, a Terceira Turma do TST, com enfoque na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, reconheceu o direito de uma enfermeira reduzir a jornada de trabalho pela metade para poder acompanhar o filho diagnosticado com TEA.


Em outra oportunidade o TST também reconheceu o direito a jornada reduzida de um enfermeiro para que este pudesse dividir com a esposa a responsabilidade no tratamento do filho diagnosticado com TEA. No julgado, processo AG-AIRR-386-31.2019.5.17.0013 o TST destacou:


...é dever do Estado proporcionar todas as medidas necessárias ao acesso de pessoas com deficiências aos serviços de saúde e educação, de modo a estimular o pleno desenvolvimento e autonomia individuais, inclusive permitido que seus responsáveis legais tenham carga horaria de trabalho reduzida, de modo a assegurar a fruição dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição.”


Por fim, ainda merece destaque a decisão do AIRR 1208-69.2018.5.17.0008 em que a Oitava Turma do TST autorizou o regime de teletrabalho a um trabalhador para cuidar do filho de 29 anos com TEA severo que se encontra residindo com a mãe no exterior.


O respeito a dignidade humana e a lei são os bens mais preciosos de uma nação. A lei nasce dos fatos e valores sociais, devendo sempre prevalecer o interesse da pessoa humana.


É bem verdade que ao empresário fadado de obrigações e responsabilidades recai toda a carga de suportar com a redução da jornada do colaborador que vinha compondo o quadro de empregados no desenvolvimento da atividade econômica.


Entretanto, a vida, a dignidade da pessoa humana, a saúde e integridade moral são direitos fundamentais intocáveis. Neste diapasão, mister destacar que o Brasil, por intermédio do Decreto Legislativo 186/2008 reconhece os direitos tratados na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, sendo certo que o propósito é “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.


Ademais, como princípio, destaca o decreto legislativo, a igualdade de oportunidades. Ora, como poderia alcançar a igualdade aquele que por necessidade de trabalho ficasse impedido de proporcionar tratamento a seus dependentes com TEA?


A conscientização é importante, o combate a preconceitos é essencial, políticas públicas de incentivo são necessárias, mas acima de tudo, é preciso sentir a dor do semelhante que em muitas das vezes necessita do trabalho na mesma intensidade que o tratamento. O ser humano sente fome, mas não tão somente de alimento para corpo, mas também de nutrientes para a alma.


A lei não deve ser aplicada de forma robotizada, mas calcada na realidade do dia a dia de cada um. Vejamos o que o ex-presidente Barack Obama declarou na busca de um juiz, segundo Thomas B Colby, In Defense of Judicial Empathy, 2012[3]:


Eu irei procurar alguém que entenda que a justiça não é sobre alguma teoria jurídica abstrata ou nota de rodapé em um livro de casos; é também sobre como nossas leis afetam as realidades cotidianas da vida das pessoas – se elas podem ganhar a vida e cuidar de suas famílias; se eles se sentem seguros em suas casas e bem-vindos em sua própria nação. Eu vejo essa qualidade de empatia, de compreensão e identificação com as esperanças e lutas das pessoas, como um ingrediente essencial para chegar a decisões e resultados justos.


Que possamos ter mais empatia com nosso semelhante em nossas posições.


A lei deve ser considerada, mas não podemos nos abster dos costumes, das condições sociais e individuais, dos fatos, das oportunidades de vida e sua expectativa.


O poder emana do povo. A lei é para o povo. O direito é do povo. Por isso, seja parte do povo. Lute por seus direitos. Podemos fazer a diferença.


Como nos ensina o filósofo Mario Sergio Cortella, “não somos imortais, mas podemos ser eternos”. Qual é a tua obra?


Construa parte de nossa história e eternize seu legado.

[1] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/04/23/diagnostico-de-autismo-aumenta-22-em-dois-anos-nos-eua-o-que-explica.htm [2] https://leforte.com.br/blog/quais-sao-os-sinais-do-autismo-e-como-e-feito-o-diagnostico/ [3] https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2180945

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© 2023 Ronaldo Domenicali Advogado

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